Os Warao: do Delta do Orinoco ao Rio Grande do Norte

Apresentação

O povo Warao, tradicionalmente habitantes do delta do rio Orinoco (Venezuela), são um grupo étnico bastante diverso no que tange a suas formas de organização social e costumes, compartilhando uma língua comum, também chamada Warao, e totalizando, atualmente, cerca de 49 mil indivíduos. No Brasil, há registros de sua presença migratória desde pelo menos 2014, tendo esta se intensificado em anos recentes. Pela localização geográfica da Venezuela, os primeiros locais de migração para terras brasileiras se deram no Norte do país (Roraima, Amazonas, Pará). Tal fluxo logo se expandiu para outras capitais, já no Nordeste, como as do estado do Maranhão, Piauí e Ceará, e, mais recentemente, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. No Rio Grande do Norte, no primeiro semestre de 2020, estimava-se a presença de cerca de 40 famílias da etnia, tanto em Natal quanto em Mossoró.

Migração Warao para o Brasil

Dentre os migrantes venezuelanos que têm circulado pelo Brasil nos últimos anos, em busca de melhores condições de vida, estima-se a presença de aproximadamente 4 mil indígenas. Em 2019, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) estimava a presença no Brasil de três etnias entre esses migrantes: Warao, representando 68% do total; Pemon Taurepang, 30%, e Eñepa, 2%.

Os Warao são um grupo étnico habitante, em sua maioria, do Delta do rio Orinoco, na República Bolivariana da Venezuela. Mesmo que ocupem tradicionalmente uma vasta região que abarca o estuário do Orinoco (no estado venezuelano de Delta Amacuro), também são encontrados em estados vizinhos como os de Monagas, Sucre, e Bolívar, além de circularem pela região transfronteiriça com a Guiana. Em 2011, conforme censo do Instituto Nacional de Estadística da Venezuela, havia 48.771 Warao no país, 6,73% de sua população indígena total. Já em 2019, segundo estimativa da ACNUR, crê-se haver cerca de 49 mil Warao, aí computados os em situação de trânsito, migração e/ou refúgio (ACNUR, 2019, p. 17).

Pela extensão da área que tradicionalmente habitam, bem como pela multiplicidade de pessoas e grupos Warao, estes não apresentam elementos culturais homogêneos, afora compartilharem a mesma língua, também chamada warao (GARCÍA-CASTRO, HEINEN, 2000). Para a linguística, este idioma é ora classificado junto à família chibcha (MOSONY, 1987), ora como idioma isolado (WILBERT, 1957; VAQUERO, 1965; OSBORN, 1966; ver também GRANADOS, 1991 e ROMERO-FIGEROA, 2003).

De acordo com parecer antropológico do Ministério Público Federal (MPF, 2017), existem indícios pré-coloniais de coexistência entre diversos sistemas interétnicos no Delta do Orinoco. Com a posterior chegada dos europeus e seu processo de missionação, esses sistemas tornaram-se ainda mais complexos, posto incluir novas relações sociais causadas pela invasão colonial. Este apresentou aos indígenas novas condições de vida, bem como a necessidade de elaborar novas estratégias de existência, resistência e convivência com o sistema de expansão do colonizador. Por isso, segundo a literatura especializada: “A heterogeneidade cultural dos Warao, advinda da multiplicidade de povos no período pré‐colonial no Delta do Rio Orinoco e suas adjacências e reunida em torno de uma unidade linguística, são características marcantes deste povo indígena” (YAMADA, TORELLY, 2018, p. 65).

Depois do primeiro momento de impacto colonial, quando os Warao se configuram como grupo étnico (ainda que não homogêneo), vemos, no século XX, novos impactos socioambientais e deslocamentos forçados por grandes empreendimentos. Nos anos de 1960, uma barragem construída no Caño Manamo, afluente do Orinoco, afeta a organização social do grupo e sua manutenção em territórios tradicionais, levando-os a buscarem alternativas de vida em centros urbanos da região (GARCÍA-CASTRO, HEINEN, 1999). Com essa barragem, potencializou-se a ocupação não-indígena e agropecuária na região, aumentando os conflitos interétnicos e a violação de direitos dos indígenas, que não foram previamente consultados. Em 1976, uma enchente possivelmente causada pelos impactos ambientais derivados da barragem causou a morte de milhares de pessoas, incluindo muitos Warao. Nos anos de 1990, um surto de cólera atingiu gravemente as comunidades Warao, que não contavam com assistência básica de saúde e saneamento (BRIGGS, MANTINI-BRIGGS, 2004). A partir dos anos 2000, constatou-se um aumento nos casos de HIV/AIDS entre os Warao, pela desassistência do governo venezuelano, bem como um decréscimo no acesso à alimentação, saúde, habitação e meios para geração de renda, também pela instabilidade política do país (cf. SOUZA, 2018).

“Na atual conjuntura econômica venezuelana, o deslocamento de indígenas Warao para as cidades brasileiras é motivado fundamentalmente pela busca de alimentos, trabalho fixo ou temporário e dinheiro, além do acesso à saúde” (MPF, 2017b, p. 8). A ACNUR, Agência da Organização das Nações Unidas para os Refugiados, compartilha do mesmo entendimento, e observa que o fluxo migratório acaba por gerar também enfermidades e novas vulnerabilidades: “Muitos venezuelanos buscam tratamento de saúde no Brasil, ou acabam contraindo doenças ou enfermidades durante o deslocamento, em razão da dificuldade de acesso a serviços básicos de saúde no país de origem” (ACNUR, 2019, p. 10).

Pela localização geográfica da Venezuela, os primeiros locais de migração para terras brasileiras se deram no Norte do país (Roraima, Amazonas, Pará). Tal fluxo logo se expandiu para outras capitais, já no Nordeste, como as do estado do Maranhão, Piauí e Ceará, e, mais recentemente, Rio Grande do Norte. Em Natal/RN, no primeiro semestre de 2020, registrou-se a presença de grupos Warao estabelecidos em dois bairros da periferia da cidade: Cidade da Esperança e Planalto. Ainda em junho de 2020, as famílias Warao se encontravam no processo de mudança para um abrigo provisório providenciado junto aos órgãos públicos da prefeitura de Natal e do governo do estado potiguar.

Reportou-se ainda a presença de outro grupo Warao na cidade de Mossoró, distante 295 km da capital do estado. Ao que tudo indica, os primeiros Warao chegaram à capital potiguar por volta de setembro de 2019 (BARBOSA, 2019), em número de 19, e atualmente são aproximadamente 50 pessoas (REUNIÃO…, 2019). Pelos dados prévios que obtivemos junto a funcionários do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social de Natal (SEMTAS), tem havido um afluxo de imigrantes venezuelanos nas repartições do órgão, responsável pelo cadastramento social de famílias em situação de vulnerabilidade.

Autor

Leandro Marques Durazzo

Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

Referências

ACNUR, Alto Comissariado da ONU para os Refugiados.Nota informativa para municípios sobre chegadas espontâneas de população venezuelana, incluindo indígenas. Brasília: ACNUR/Ministério da Cidadania, 2019.

BARBOSA, Catarina. Migrante cidadão: a sobrevivência dos Warao em Belém e Santarém. Belém: Amazônia Real, 14 mar. 2018. Disponível em: http://www.amazoniareal.com.br/migrante-cidadaosobrevivencia-dos-warao-em-belem-e-santarem. Acesso em: 08 de mar. 2020.

BRIGGS, Charles; MANTINI-BRIGGS, Clara. Las historias en los tiempos del cólera. Caracas: Ed. Nueva Sociedad, 2004. GARCÍA-CASTRO, Alvaro; HEINEN, H. Dieter. Planificando el desastre ecológico: Impacto del cierre del caño Manamo para las comunidades indígenas y criollas del Delta Occidental (Delta del Orinoco, Venezuela). Rev Antropológica. Caracas: Fundación La Salle de Ciencias Naturales, 1999. v. 91, p. 31-56.

GARCÍA-CASTRO, Alvaro; HEINEN, H. Dieter. Planificando el desastre ecológico: Impacto del cierre del caño Manamo para las comunidades indígenas y criollas del Delta Occidental (Delta del Orinoco, Venezuela). Rev Antropológica. Caracas: Fundación La Salle de Ciencias Naturales, 1999. v. 91, p. 31-56.

GARCÍA-CASTRO, Alvaro; HEINEN, H. Dieter. Las Cuatro Culturas Warao. Tierra Firme. Rev Arbitrada de Historia y Ciencias Sociales. Caracas, 2000. v. 71, tercer trimestre (Julio-septiembre).

GRANADOS, Hector. Fonemas consonanticos del Warao de Arawaimujo (Delta Amacuro). Tesis (Maestria en Linguistica), Universidad de Los Andes, Mérida, Venzuela, 1991.

MOSONY, Jorge. Las lenguas indígenas de Venezuela. Boletín de Linguística. Publicación del Departamento de Linguística de la Escuela de Antropología, y de la Sección de Linguística del Instituto de Investigación. Facultad de Ciencias Económicas y Sociales, UCV, Caracas, 1987.

MPF, Ministério Público Federal. Parecer técnico Seap/6aCCR/PFDC n. 208, sobre a situação dos indígenas da etnia Warao, da região do delta do Orinoco, nas cidades de Boa Vista e Pacaraima. Manaus: MPF, 2017a.

MPF, Ministério Público Federal. Parecer técnico n.10/2017. Manaus: MPF, 2017b. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/am/sala-de-imprensa/docs/parecer-tecnico-warao. Acesso em: 8 de mar. de 2020.

OSBORN, Henry. Warao I: Phonology and morphonemics. In: International Journal of American Linguistics (IJAL), 1966. vol. 32, p. 108-123.

REUNIÃO discute situação de venezuelanos indígenas. Arquidiocese de Natal. Destaques, Notícias gerais, 02/10/2019. Disponível em: https://arquidiocesedenatal.org.br/reuniao-discute-situacao-de-venezuelanos-indigenas.html. Acesso em: 08 de mar. 2020.

ROMERO-FIGEROA, Andrés. A reference grammar of Warao. Munchen: LINCOM, 2003.

SOUZA, Júlia Henriques. Janokos brasileiros: uma análise da imigração dos Warao para o Brasil. Boletim Científico ESMPU, Brasília, jul./dez. 2018. a. 17 – n. 52, p. 71-99.

VAQUERO, Antonio. Idioma Warao: Morfología, Sintaxis y Literatura. Caracas: Editorial Sucre, 1965.

WILBERT, Johannes. Prólogo. In: BARRAL, Basilio de Diccionario Warao-Español Español-Warao. Caracas: Editorial Sucre, 1957.

YAMADA, Erika; TORELLY, Marcelo (org.). Aspectos jurídicos da atenção aos indígenas migrantes da Venezuela para o Brasil. Brasília: Organização Internacional para as Migrações (OIM), Agência das Nações Unidas para as Migrações, 2018.

Como referenciar

DURAZZO, Leandro Marques. Os Warao: do Delta do Orinoco ao Rio Grande do Norte. Povos Indígenas do Rio Grande do Norte. 2020. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/povosindigenasdorn. Acesso em:

Durazzo, Leandro Marques. “Os Warao: do Delta do Orinoco ao Rio Grande do Norte”. Povos Indígenas do Rio Grande do Norte [online]. []. http://www.cchla.ufrn.br/povosindigenasdorn

Durazzo, Leandro Marques. (2020). “Os Warao: do Delta do Orinoco ao Rio Grande do Norte”. Povos Indígenas do Rio Grande do Norte. [online]. . http://www.cchla.ufrn.br/povosindigenasdorn

Durazzo, Leandro Marques. 2020. “Os Warao: do Delta do Orinoco ao Rio Grande do Norte”. Povos Indígenas do Rio Grande do Norte. . http://www.cchla.ufrn.br/povosindigenasdorn

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